domingo, dezembro 30, 2007



...essa ave chama pelo companheiro já sem vida...

Rui Palmela

A MORTE DA ANDORINHA

Já não voa a andorinha pequenina
Que os ares alegrava com graça
Quebraram-lhe a asa franzina,
Jaz ferida de morte na praça.

Seu encantador trinado e chilreio
Morreu estrangulado pela dor
E as belas tardes de enleio
Desventuradas perderam brilho e cor.

No voo cheio de grácil melodia,
Cortando o primaveril aguaceiro
Cantava enamorada de alegria
Na construção do seu lar primeiro.

Já não geme a guitarra afã
Seu trinado também se perdeu,
Calou-se uma voz amiga e irmã
E com saudade da andorinha morreu.

Mais pobre ficou a primavera
Por ter perdido algum encanto
Morreu a andorinha que era
O arauto que alegrava com canto
Os campos cheios de quimera
Que no silêncio calaram o pranto.

sexta-feira, dezembro 28, 2007

À chuva e ao frio a caminho da escola...

A MINHA INFÂNCIA

Manhãs solarengas e estivais
o sonho incendiavam na criança,
sonho que desfolhará jamais
seu rosário e sorriso de esperança.

Tinham as manhãs formosas
perfume e primaveril odor,
os prados cantavam com rosas
que cobriam de aguarelas e de cor.

Matinais caminhos gelados
branqueavam a agreste paisagem,
o vento pelos cerros e silvados
galgava alegremente na viagem.

Acordes longínquos e desconhecidos
eram melodias que trinavam no ar,
cânticos rústicos por caminhos perdidos
que os carros de bois faziam soar.

Nas serras cheirava a pinho e resina
e os ribeiros murmuravam seu cantar,
grilos e ralos nas noites de surdina
faziam seu concerto até o sol raiar.


Na longa noite invernosa e fria
e o pão no forno vermelho
a torrar,
a lareira acesa os corpos aquecia
até à hora da ceia, antes de deitar.

O sol dormia nos cerros e montes
desde as cinco da tarde até alvorecer,
calavam-se aves, murmuravam fontes
no nocturno silêncio do adormecer.

Pelos degraus da vida em crescer lento
corríamos à deriva a caminho da escola
por cima de pedras à chuva e ao vento
c’os livros às costas dentro da sacola.

Nossos verdes anos em redemoinho,
num rodopio como as pedras das mós,
corríamos apressados à fonte do moinho
a encher o cântaro como os nossos avós.
Giram as mós nos velhos moinhos, moendo o pão da vida...

OS MOINHOS

Já minha alma os desenganos chora
dos sonhos que nunca deixou de sonhar,
como moinhos, lembra sonhos de outrora
guardados no cofre do triste caminhar.

De tanto navegar neste mar de dor,
sinto que a saudade mora em mim
e revivo tudo com tristeza e amor,
carregando minha cruz até ao fim.

Olhando as paredes dos velhos moinhos,
como meus sonhos jazem despedaçados,
minhas mágoas afogo vazias de carinhos
no lago do mundo cheio de abandonados.

Pálpebras cerradas e da tristeza cativas,
relembro com voz grave e emudecida
as mós que nos moinhos giraram perdidas,
semeando a farinha como pérolas de vida.
Pelas quelhas e veredas vai curtindo suas mágoas...

O PASTOR

Nasce na plenitude de encantos o dia
e lá longe o sol começa a despertar,
brilhos multicolores o orvalho irradia
nos montes silenciosos e seu acordar.

Cumprindo o destino da própria vida
num ardoroso labutar a toda a hora,
entrega-se o pastor à dureza da lida
de partir pela madrugada campos fora.

Ensinado pelas aves a sorrir e a cantar
nos cerros e montes onde mora o encanto,
quantas vezes com vontade de chorar
alivia as dores com o próprio canto.

Como companhia tem o carinho do gado,
almas irmanadas numa mesma solidão,
que seduzidas pelos encantos do prado
apagam a tristeza com a mesma canção.

Fustigados pelo frio ou estival calor
percorrem os carreiros da mesma sorte,
lutam em desigualdade com afinco e ardor
que vai esmorecendo até findar na morte.
Na imensidão do mar se esbate o desespero...

terça-feira, dezembro 11, 2007

DESESPERO

Mergulhado em nostalgia
por caminhos inacabados,
sinto minha vida oca e vazia
e os sonhos jamais realizados.

Perdido o sonho de outrora
o amor deu lugar à dor,
meu coração sofre e chora
na procura insana do amor.

Percorro o mundo inteiro
e deixo-me pelo sonho embalar,
fingindo que o amor primeiro
como ave partiu e vai voltar.

Esta angústia e desalento
ao relembrar os tempos idos
é desespero e sofrimento
pelos sonhos não vividos.